Vida, obra e espiritualidade de Madre Clélia Merloni

Livros

Ela me Disse

Título: Ela me Disse
Sub Título: Cartas de Madre Clélia Merloni
Autor: Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus
Data de publicação: 2019

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Queridos(as) Jovens,
Este livro foi preparado com carinho, pensando em você que pode encontrar nas Cartas Madre Clélia Merloni, Fundadora das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, uma orientação e uma inspiração para diversas circunstâncias da vida. Aqui foram selecionadas algumas Cartas de Madre Clélia, as quais foram agrupadas nos seguintes temas: A vida espiritual, Como a ti mesmo e Buscar a Santidade. Parafraseando cada uma das Cartas, encontram-se comentários pertinentes de diversos autores, tornando assim as palavras da Madre mais claras e próximas da realidade pessoal.
O apelo a sermos melhores a cada dia nos impulsiona à busca da santidade, pois toda pessoa é intimamente tocada pelo dom de Deus para ser o melhor que pode vir a ser. Partindo desse princípio, Madre Clélia, por seu exemplo e escritos, orientou que no caminho da santidade se dá um passo por vez, se sobe um degrau por vez. Assim sendo, o percurso acontece durante toda a vida, mas precisa ser contínuo.
Madre Clélia preocupou-se em oportunizar às crianças e jovens uma formação integral, insistia na prática do bom exemplo, disse: “As palavras comovem, mas os exemplos arrastam”. Queremos, com essas Cartas de Madre Clélia, oferecer a vocês um caminho a ser seguido, um exemplo a ser imitado, palavras a serem ouvidas, uma presença amiga e materna a ser sentida. Temos a certeza de que Madre Clélia nos acompanha e nos inspira boas atitudes por meio de suas palavras.
Desejamos um abençoado caminho na presença de Madre Clélia. Façamos dos seus ensinamentos, uma luz em nosso caminho!

Madre Miriam Cunha Sobrinha
Superiora Geral

Como um grão de trigo

Título: Como um grão de trigo
Sub Título: Biografia de Madre Clélia Merloni
Autor: Nicola Gori
Editora: ‎Effatà Editrice

 

“Se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, continuará ele só. Mas, se morrer, dará muito fruto” (Jo 12, 24).

Assim foi a vida de Madre Clélia Merloni (1861-1930), Fundadora das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus: mulher forte, corajosa, gentil, compassiva com todas as pessoas necessitadas: crianças, órfãos, mulheres pobres e abandonadas, jovens, idosos e famílias. Soube ser criativa no amor, abrindo muitas possibilidades e oportunidades para ajudar concretamente estas pessoas. Foi extremamente caridosa também com suas coirmãs, perdoando-as e afastando da sua mente, do seu coração e de seus lábios, pensamentos e palavras de vingança ou de condenação. O lema do Instituto: “O amor de Cristo nos impulsiona” ganhou forma e visibilidade através de sua vida, vivida com generosa gratuidade no desapego de si mesma.

O autor deste livro, escritor Nicola Gori, baseando-se nos documentos da “Positio”, descreveu com clareza e competência, nestas poucas páginas, a vida de Madre Clélia. O título do livro expressa plenamente a vida de uma mulher, que se doou inteiramente, para que o Instituto por ela fundado em honra ao Sagrado Coração de Jesus triunfasse, não obstante as muitas perseguições e calúnias de que foi vítima, das quais a figura de Madre Clélia emergiu purificada e santificada e marcou de luz evangélica nosso caminho de Apóstolas. Sua oração de entrega total de si mesma à vontade de Deus e seu sofrimento fecundaram o “terreno pedregoso e espinhoso” do Instituto, transformando-o em “terra fértil” para receber a “semente” que, morrendo, deu nova vida ao Instituto das Apóstolas. Sua confiança ilimitada

no Coração de Jesus e na Providência Divina fez crescer o Instituto em muitas partes do mundo. O “grão de trigo” deu e continua a dar muito fruto através da presença de cada Apóstola que dedica sua vida a Cristo na oração e no serviço abnegado e gratuito ao próximo, na formação integral da pessoa humana, na recuperação da dignidade perdida de tantas pessoas que são vítimas de violência e de escravidão, assim como no serviço incansável de evangelização.

Nas páginas que se seguem será possível constatar que nossa Madre viveu com heroísmo e em plenitude a oitava bem-aventurança: “Bem-aventurados sereis vós quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vós. ALEGRAI-VOS E REGOZIJAI-VOS, porque grande é a vossa recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vós” (Mt 5, 11-12).

Madre Clélia foi modelada pelo sofrimento desde a infância: sua vida foi marcada por perdas importantes que plasmaram seu coração materno. Sofreu muitas calúnias e incompreensões

dentro do Instituto, de sacerdotes e até de Bispos que não a conheciam, mas soube tratar todos com respeito e dignidade, mesmo sabendo que era vítima inocente de perseguições não

indiferentes, que puseram à dura prova sua fé e sua saúde.

Diz a Madre a uma das suas Filhas: “Dado que espontaneamente, sob o divino impulso do Espírito Santo, me consagrei ao seu Divino Coração, é justo que eu não ambicione outra glória que não seja a humilhação, o desprezo, a calúnia, o esquecimento de todos, nenhum compadecimento… e considere por fé que a Divina Providência ordena e dispõe todas as coisas sabiamente em benefício e vantagem da minha alma, assim como para o melhor bem do próprio Instituto. Não, minha filhinha, não acusemos as criaturas daquilo que Deus faz por meio delas. Elas não são mais que os instrumentos na mão de Deus” (Manuscrito Grande, vol. I).

Madre Clélia oferecia tudo ao Coração de Jesus e tudo aceitava como vontade de Deus, para que o Instituto se solidificasse e expandisse. Sua vida foi uma oferenda para a maior glória do

Coração de Jesus e salvação da humanidade ferida pelo pecado e necessitada de misericórdia. Tinha a certeza de que nenhuma das suas lágrimas, nem as lágrimas das suas filhas, teriam sido perdidas, porque o Sagrado Coração teria recompensado todos os sacrifícios e sofrimentos. No céu nos será esclarecido aquilo que hoje a razão não é capaz de compreender. A Madre diz: “Oh! Um dia, no tribunal de Deus, serão explicados muito diversamente os mistérios que a razão humana procura interpretar da melhor maneira que pode”. (Manuscrito Grande, vol. II).

 

Madre Miriam Cunha Sobrinha

Superiora Geral

Um Amor que não deixa vencer

Título: Um Amor que não deixa vencer
Sub Título: Madre Clélia Merloni
Autor: Domenico Agasso jr
Editora: ‎Effatà Editrice
Data de publicação: 2018

 

O título deste livro revela o amor “obstinado” de uma grande mulher pelo Sagrado Coração de Jesus e pelo Instituto; amor que nunca se deixa vencer: ama e se abandona até dar vida. Clélia Merloni é uma mulher que não mediu a generosidade do dom total de si mesma por uma causa nobre, como escreveu em seu diário: “Dá-se tudo a Ele, para encontrar tudo nele”. Empe-nhar a vida por um ideal nobre é a mais bela aventura de amor que um ser humano pode viver nesta terra.
Madre Clélia deixou-nos um exemplo convincente desta aventura: olhando para o seu testemunho de vida, muitas jovens tiveram a coragem de se tornar Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. Abandonaram os projetos humanos, o afeto, os bens mate-riais, as possibilidades de vida autônoma, para se entregarem a Deus pelo bem dos outros: seguindo os passos de Madre Clélia, semeiam amor pelas estradas do mundo, como fizeram os Após-tolos de Jesus!
É fascinante sentir-se atraída e envolvida neste projeto de amor que Deus sonhou para Clélia; é lindo ver como, a seu exemplo, outras jovens querem amar, seguir e servir o Senhor. Jesus pede que Clélia se torne Apóstola do seu Coração; como Ele fez com os Apóstolos, seus amigos mais íntimos, pede-lhe para partilhar com ela sua vida pública, a ser gasta nas ruas “desde a Galiléia até a Jerusalém” de hoje.
Jesus não a livrou do caminho do Calvário, mas tornou-a capaz de percorrê-lo, pacientemente e com grande generosidade de coração, até transformá-lo em via amoris.
Somente aqueles que têm um coração livre e uma confiança ilimitada na Providência são capazes de abandonar totalmente os seus projetos pessoais para acolher, com grandeza de alma, o plano de Deus em suas vidas. Clélia, ao longo de sua existência, procurou identificar-se totalmente com o Mestre e conformar-se com a Sua santa vontade sem reservar uma mínima fração para si mesma. Foi gigante na fé e no abandono confiante!
A jovem Clélia não fez como o jovem rico do Evangelho, que não teve a coragem de vender tudo quanto possuía para dar aos pobres e seguir Jesus. Era a única filha de Joaquim Merloni, rico empresário de Sanremo, cresceu como uma princesa sob os cuidados de seu pai que queria preparar-lhe um futuro brilhante. Propiciou-lhe uma esmerada formação intelectual, estudo de inglês e francês, aulas particulares de piano e bordados a ouro. Roupas bonitas, viagens, rapazes que a cortejavam, mas ela considerava tudo isso uma perda comparada ao amor de Cristo. Renunciou a tudo para seguir o esposo celeste, que a chamou para um ideal divino. Para amar Jesus de todo o coração, com toda a alma, sem nada guardar para si mesma, com o único desejo de segui-lo de perto, como os Apóstolos João, Pedro, Tiago, André…!
Recomenda às suas filhas: “Aprendamos a ser Apóstolas não só de nome, mas segundo o espírito dos Apóstolos… Vestindo o hábito de Apóstola, assumistes suas obrigações e deveis então a Jesus uma correspondência de amor sem reservas. E o amor, vós o sabeis, ó filhinhas, consiste no sacrifício e na virtude. Sede generosas e o Sagrado Coração vos recompensará, no céu, todo sofrimento, o quanto puderdes imaginar… Agi sempre com retidão, sob o olhar de Deus, esquecendo a vós mesmas para socorrer a quem sofre, tende paciência com as pessoas molestas, suportai em silêncio todos os sofrimentos que vos possam surgir no coração, no espírito e no corpo” (Mg., I, p. 120 e M.g., II págs. 159 – 160). (PM 70 e 71).
A principal finalidade de sua obra é “buscar apaixonadamente a glória do Sagrado Coração de Jesus, propagar sua devoção, procurando reparar os ultrajes que Ele recebe dos pecadores, especialmente dos associados às seitas maçônicas e dos Sacer-dotes apóstatas” (Regras manuscritas, 1). Ela ofereceu-se como “vítima no altar” pela conversão de seu pai e dos pecadores.
Nas Regras manuscritas, sob o nome de “Diretório”, ela escreveu: “As Irmãs Apóstolas empenham-se em alcançar este objetivo oferecendo ao Coração Sacratíssimo de Jesus todas as obras de caridade que a obediência lhes confiar”. No elenco das obras, destaca a missão com os migrantes, especialmente os italianos que vão ao exterior a procura de uma vida melhor. São pessoas que precisam de assistência material e espiritual. No entanto, deixa entrever que esta missão também se abre aos migrantes de outras nacionalidades.
Em Castelnuovo Fogliani, a convite do Bispo de Piacenza, Dom Giovanni Battista Scalabrini, ela fez a revisão das Regras Manuscritas a fim de obter a aprovação Diocesana do Instituto e, a seu pedido mudou o título para “Apóstolas Missionárias do Sagrado Coração Jesus”. Tal mudança custou-lhe grande sofri-mento. O próprio Dom Scalabrini aprovou as Constituições. Tudo aconteceu em 10 de junho de 1900.
A Madre era uma mulher emancipada para o seu tempo. Tinha ampla visão de futuro. Sua vida desenvolveu-se entre o final de 1800 e início de 1900, em uma sociedade machista em que a mulher era desvalorizada. Ela procurou mostrar, com ações concretas, que a mulher tem uma dignidade que deve ser resgatada. Por isso queria que suas Irmãs fossem bem formadas para serem capazes de formar mulheres livres e independentes, capazes de constituir uma boa família e encontrar um emprego na sociedade. Tinha um olhar especial para as mulheres pobres, simples e sem formação intelectual. Sabia que elas eram consi-deradas como as mais frágeis, vulneráveis e exploradas da socie-dade.
As primeiras obras que ela iniciou manifestaram essa preo-cupação. Acolheu, logo no início da sua atividade apostólica, as órfãs, moças pobres e carentes de educação, mulheres idosas, doentes e abandonadas; mas também jovens “marginalizadas” encontradas na estrada, precisando de cuidados especiais, a fim de retomar uma vida digna. Entre os testemunhos da Positio, lemos o de Ir. Eletta Celi que fala de uma jovem prostituta que a Madre acolheu, procurou-lhe um emprego e lhe ensinava a doutrina cristã, ajudando-a a recuperar a dignidade perdida por causa da pobreza extrema e da falta de um trabalho decente para se sustentar.
Madre Clélia sempre teve um coração sensível em relação aos mais fracos, pobres e necessitados. Abraçou as obras de mise-ricórdia corporais e espirituais, como missão, independente-mente da condição social das pessoas. Olhava a todas com um olhar terno e amoroso, ajudando-as em todas as necessidades, humanas, materiais, intelectuais e espirituais.
Foi uma excelente educadora e esteve diretamente envol-vida na formação das Irmãs e jovens, ensinando música, piano, bordados e a doutrina cristã. Via a educação como uma obra de caridade: as Irmãs dedicadas ao ensino deviam aprender a tratar a todos com doçura e firmeza para formarem personali-dades fortes e, ao mesmo tempo, dóceis.
O autor deste livro, o escritor Domenico Agasso, adentrou profundamente no âmago pessoal da Madre e o apresentou com grande propriedade. Expresso-lhe o meu mais profundo agradecimento por este belo trabalho, que nos ajudará a conhecer mais e mais as “peças de vários tamanhos e cores” que compõem o “mosaico” da vida de uma mulher forte, resoluta e tenaz, como Clélia Merloni; e de uma Fundadora firme, que com todas as suas forças levou adiante o projeto de amor que o Senhor a faz descobrir através dos acontecimentos de sua vida humana e espiritual, no cotidiano silencioso de sua existência. Boa leitura!

 

Madre Miriam Cunha Sobrinha
Superiora Geral

O Diário de Madre Clélia Merloni

Título: O Diário de Madre Clélia Merloni
Sub Título: Mulher do perdão
Autor: Clelia Merloni e Nicola Gori
Editora: ‎Effatà Editrice
Data de publicação: 2018

 

Introduzo o Diário com as mesmas palavras de Madre Clélia, que descreve a sua oferta diária e revela os desejos de seu coração de consagrada, esposa e mãe:

“Eu, Irmã Clélia Merloni prometo a Nosso Senhor Jesus Cristo, oferecer-me todas as manhãs, em união às suas Santas Chagas, ao Divino Pai, para a salvação do mundo inteiro e pelo bem e aperfeiçoamento do meu Instituto. Adorá-lo-ei em todos os corações que o recebem, na Santísima Eucaristia. Agradecer-lhe-ei por se dignar descer em tantos corações tão pouco preparados”.

Em todo o Diário se percebe a sua preocupação pela salvação dos pecadores e pelo bem do Instituto fundado por ela. Ofereceu ao Senhor cada experiência de sofrimento e de dor física, moral e espiritual que guardava no coração.

Como escreve Nicola Gori, a vida da Madre foi muito atribulada e de grande combate humano e espiritual, para superar os sentimentos mais íntimos que a teriam arrastado por caminhos mais fáceis à natureza, ela nunca cedeu e, com coragem, escolheu percorrer a via estreita, “armada” pela oração e “revestida” pela humildade. É admirável a fortaleza desta mulher!

“Vencer a si mesmo é o decreto dos santos! Este é o caminho que Deus traçou, também, para mim, a via estreita, o amor das humilhações e das cruzes, o espírito de generosidade, de sacrifício, a morte a tudo aquilo que não é Deus e não guia a minha alma, diretamente, a Ele”.

Com imensa coragem, escolhe seguir Cristo, percorrendo a via da humildade, consciente que, escolhendo essa via, teria escolhido as humilhações, o aniquilamento, as perseguições e as incompreensões de todas as espécies. Sabia que essa via já fôra batida pelo “Filho do Homem” muito antes dela, quando Ele não encontrou um lugar dígno para nascer em Belém e o colocaram numa manjedoura; quando ficou exilado no Egito para fugir à perseguição de Herodes, quando foi incompreendido pelos escribas e fariseus, quando foi traído e vendido pelos amigos e foi crucificado somente porque nos amou até o fim.

O amor evoca amor e Clélia escolhe para si a mesma estrada e deseja, com toda a generosidade da alma, pisar as mesmas pegadas do Senhor:

“Tu, ó Jesus, precede os meus passos e faze que eu não me recuse, nunca, a trilhar as pegadas que tu, ó Jesus, já traçastes para mim”.

Ela entende a humildade como uma “veste” que a alma tem necessidade de usar para dar prazer a Jesus e vencer as tentações e as seduções do malígno. Quer apresentar-se ao Esposo com um vestido belo, esplendoroso, sem mancha, lavado no “sangue do Cordeiro” para tirar as manchas do pecado e de toda a presunção humana. Para atingir essa meta, ela empregará toda a vida, combatendo com a sua natureza e contra o inimigo invisível.

Clélia foi uma mulher de forte personalidade, voluntariosa, tenaz, firme, mas, ao mesmo tempo, afetuosa, terna, dócil, capaz de entregar-se inteiramente a uma grande causa, mesmo a custo de grandes sacrifícios. Nela, os opostos encontram uma perfeita harmonia. Conhece os limites de sua natureza, mas não tem medo de escalar os altos cumes para encontrar o Amado de sua vida. Sabe que não está sozinha, Ele caminha com ela, ou melhor, é Ele quem lhe prepara a mochila para o caminho e o enxoval para o “matrimônio”:

“Jesus quer que eu me vista com roupas novas, que o seu amor preparou para mim. Ele me fará o enxoval, eu não farei outra coisa a não ser aceitar de suas Santíssimas Mãos. Quando Ele quiser se entreter com a minha pobre alma, esta deverá vestir-se de humildade como Deus quer de mim. Eis o sentido do modo como me devo vestir: Tudo em mim deve ser movido pelo espírito de humildade”.

Na “mochila” para a viagem, ela sabe que deverá levar os “instrumentos” necessários para percorrer a estrada da ascese que a preparará para o encontro com o Esposo desejado: a fé, a oração, a Eucaristia, o terço, as mortificações, o despojamento, a renúncia, a abnegação, o abandono total à Providência e à vontade de Deus.

“Hoje, tive a inspiração de ter o olhar fixo em Deus, pois quanto mais uma alma é chamada a segui-lo de perto, mais deve mortificar-se. O perfeito despojamento é a condição mais necessária para oferecer a Deus. Uma coisa que se descarta, deixa-se e não se retoma mais. É necessário deixar os hábitos defeituosos, assim como se deixa uma roupa estragada que não se usa mais”.

Madre Clélia está ciente que entregar a sua vida pela conversão e a salvação dos pecadores, custar-lhe-á um preço muito alto, deverá lutar com as “forças visíveis e invisíveis”, citadas no Diário, sabe que além de fazer as contas com a própria natureza humana, deverá lutar com o inimigo da Cruz de Cristo, que não quer que as almas sejam salvas.

“Enfureçam-se até os ventos das tentações, surjam, também, todos os meus inimigos visíveis e invisíveis, mas eu, estando unida a Vós na Cruz, nada mais temerei”.

A Madre percebe a perseguição do diabo, que quer impedi-la de usar o “vestido da humildade” que a preparará ao encontro com o Esposo.

Conserva grande amor à Cruz de Cristo e manifesta o seu grande desejo de fazer-se uma com Ele sobre a Cruz. Para relacionar-se com o Crucifixo usa a linguagem nupcial: “estendendo-me com Ele sobre a Cruz”, quer ser solidária ao Senhor em sua máxima dor, não deixá-lo sozinho estendido entre a terra e o céu. Deseja partilhar o seu destino e beber, com Ele, o mesmo cálice amargo das contradições e do abandono total por parte das pessoas mais queridas.

Frequentemente, na meditação usa o solilóquio, aconselhando a si mesma, como se falasse com uma outra pessoa, talvez, como um modo de escutar-se, uma vez que viveu em profunda solidão. Na oração conversava com Jesus e manteve sempre uma profunda união com Ele, mesmo nos momentos de aridez e de deserto. Se o seu coração e os sentidos não conseguiam sentir a presença do Senhor, a sua mente iluminada pela fé lhe dizia que Ele era sempre presente. Quantas vezes precisou sacrificar as próprias razões humanas para dar espaço à fé.

O escritor Nicola Gori a definiu como “mulher do perdão”. Creio que esta definição evidencia o estilo de vida de uma mulher que, como “discípula e apóstola”, aprendeu na “escola” do Coração de Cristo, único e verdadeiro Mestre, a perdoar sempre.

“Jesus me sussurra, na alma, que as obras são a língua do coração; que dos frutos, e não das folhas, se conhece a bondade de uma planta. Ele quer que eu perdoe de coração, todas as ofensas recebidas dos que me ofenderam, e não só, mas que eu procure fazer a eles todo o bem que me é possível, e especialmente, rezar tanto por eles, e ter compaixão deles, desculpá-los, e desejar-lhes a sua parte de glória no Céu”.

A Madre quer ir a Jesus completamente livre e, quase no final do Diário, escreve sobre a santa indiferença, conceito usado na espiritualidade Inaciana:

“…a custo de qualquer sacrifício quero chegar à santa indiferença. Quero ser de Deus sem restrições; sem divisões. A providência de Deus exige de mim esta indiferença. Sendo Deus sabedoria e ciência infinita, Ele sabe e conhece aqueles meios que me conduzirão ao conseguimento do meu último fim com plena segurança. A santa indiferença me libertará de todas as agitações, de todas as angústias e preocupações, que derivam do meu excessivo afeto às coisas criadas; ela banirá do meu coração todas as paixões pelas quais ele é continuamente combatido; esta é a santa indiferença que reconduzirá a calma para a minha alma, e será para mim, como uma felicidade antecipada”.

Ela precede, com as suas reflexões sobre a misericórdia, Santa Faustina Kowalska (1905-1937):

“A alma, por quanto carregada de misérias ela seja, não deve nunca ter medo de Deus, porque Ele está sempre pronto para usar de misericórdia para com ela, e o maior prazer que Jesus possa ter é o de poder conduzir ao seu Eterno Pai, o maior número de pecadores que seja possível. Os pecadores convertidos são as glórias e as jóias de Jesus”.

Agradeço a Ir. Jacinta Turolo Garcia pela tradução do texto em português e ao escritor Nicola Gori pela belíssima interpretação espiritual que fez do Diário de nossa Beata Madre Clélia Merloni. Certamente, ela foi “provada no fogo” segundo a lógica evangélica, e a sua vida testemunha que é o Senhor quem diz a última palavra, quando confiamos Nele!

 

Madre Miriam Cunha Sobrinha

Superiora Geral

100 corações

Título: 100 corações
Sub Título: Uma história sobre confiar, perdoar, amar e lutar por um ideal
Autor: Paolo Damosso
Editora: ‎Edições Loyola
Data de publicação: 2023

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Na noite de domingo, 8 de janeiro de 2023, Festa do Batismo do Senhor, recolhi-me para escrever algumas reflexões sobre o texto intitulado “Cem Corações”. Seja um romance ou o resumo de um filme, pouco importa, o fato é que atraiu fortemente a minha atenção no que se refere à vida cheia de sentido e de significado de uma mulher que fez dela uma missão de perdão. O autor, Paolo Damosso, com boa razão, se expressa assim a respeito dos acontecimentos desta vida: “Sessenta e oito anos vividos num carrossel que está sempre girando, sem nunca parar e sem deixá-la descansar. Tantas vidas em uma só, difícil explicar. Aquela da protagonista é a simples existência de uma mulher que vivenciou dinâmicas humanas tão complexas que, para serem contadas detalhadamente, serviriam para uma importante coleção de livros, mas mesmo estes seriam de pouca utilidade se não disséssemos o que realmente era: uma vida doada por um ideal maior que a própria vida, o Amor!

Neste dia, em que a Igreja nos convida a rezar a passagem do Evangelho que narra os fatos que caracterizaram o Batismo do Senhor, somos convidados a meditar a manifestação do amor do Pai para com o Filho: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3, 17). No Filho amado reconhecemos cada um de nós, que pelas águas batismais entramos neste grande Mistério da filiação divina e somos constituídos “filhos no Filho” (cf. Rm8, 14-17), para que o amor de Deus por todos os homens venha a encontrar plena concretude.

Só o amor de Deus encontra amplo espaço no coração desta mulher que, sentindo-se amada e perdoada pelo Pai, soube viver radicalmente o seu batismo, deixando como legado verdadeiro e autêntico um testemunho válido de quem viveu plenamente as palavras do Pai Nosso: “…perdoa-nos as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores”.

Esta mulher é Clélia Merloni, uma romanhola, forlivese, que na sua vida cotidiana não poupou suas energias mais nobres para dar rosto e corpo ao Evangelho, estabelecendo uma rede de relacionamentos humanos e espirituais saudáveis que colocaram à prova o seu caráter forte e o seu temperamento luminoso. Posso imaginar quantas lutas internas ela teve que passar para dobrar-se e forjar a personalidade de uma mulher humilde e doce, forte e terna, fazendo com que traços opostos se tornassem harmonia nela!

Clélia quis colocar-se na escola do Evangelho e, como o Apóstolo Pedro, deixar-se moldar pela fé em Cristo. Entendeu que a única maneira de viver a vida cristã de modo convincente e com alegria foi vivê-la como “filha amada”. Um Amor que conheceu mantendo o olhar fixo no CORAÇÃO de Jesus para poder superar as provações com serenidade, apesar da escuridão do momento presente.

O apóstolo Pedro escreve: “…deveis alegrar-vos, ainda que agora, por algum tempo, sejais contristados por diversas provações, a fim de que a autenticidade comprovada da vossa fé, mais preciosa do que o ouro que perece, cuja genuinidade é provada pelo fogo, alcance louvor, glória e honra por ocasião da Revelação de Jesus Cristo. A ele, embora não o tenhais visto, o amais; mas crendo, vos rejubilais com alegria inefável e gloriosa, pois que alcançais o fim da vossa fé, a saber, a salvação das vossas almas” (1Pd 1, 6-9).

O momento da provação se apresenta na vida de Clélia como um fogo ardente, forte e impetuoso que, só quando visto através da fé, pode abrir o olhar para horizontes novos e inesperados. Com efeito, como o fogo é capaz de atestar o valor do ouro puro, da mesma forma para Madre Clélia o valor de sua fé foi atestado através do fogo das diversas provas que teve que enfrentar. Quanto mais profundas e severas foram as provações, mais sua fé assumiu as conotações da autenticidade de uma heroica vida cristã. A fé autêntica de Clélia foi purificada e fortificada para que seu verdadeiro valor pudesse ser conhecido, caracterizado pelos traços de perseverança e fidelidade, apesar da “escuridão da noite”.

Entre as provações que Clélia viveu, sem dúvida estão os três exílios enfrentados com a fé fortalecida ao longo de sua vida, permitindo-lhe enveredar pelo caminho da santidade, cuja meta havia determinado para si durante a sua juventude. Muitas vezes me pergunto o que ela carregava no seu coração de mãe quando teve que viver o primeiro exílio dentro de sua própria casa, em Alexandria (1911-1916), fechada num quarto, sem ter qualquer contato com aquelas filhas e irmãs que tanto amava. Eu me pergunto como será que viveu interiormente os anos de exílio (1916-1928) em Turim, Roccagiovine e Marcellina, depois de ser abandonada por aquelas mulheres, que anos antes a tinham seguido fielmente, e às quais tinha tenazmente dado o nome de Apóstolas; aquelas filhas caríssimas com as quais compartilhou o Carisma recebido do Espírito Santo, os sonhos, os projetos, a própria vida.

Certamente a última etapa do exílio passado na Casa Geral, em Roma (1928-1930), onde consumiu os últimos anos de sua existência terrena, não foi fácil. Após 12 anos de exílio forçado fora do Instituto que ela, com amor materno, quis e fundou, foi convidada a voltar, não por sentimentos de compaixão por uma madre já idosa e doente, mas apenas para que o Instituto fosse reconhecido pela Igreja. Com um ato de amor infinito, a Madre olhou além de seus próprios sentimentos humanos e, voando mais alto que a águia, com profunda humildade e mansidão, apesar das injustiças sofridas, retornou para aquelas que nunca deixou de amar como filhas. Esse gesto de amor incondicional marcou para o Instituto o início de uma vida longa e duradoura.

Nem mesmo este ato de absoluto amor e obediência extinguiu o fogo da provação, aceso por mãos humanas, tanto que Clélia nem teve a chance de abraçar suas amadas filhas, mas fechada na solidão do seu quarto, consumiu no cenáculo do silêncio e da oração os últimos dias de sua vida terrena.

Quantas emoções sofridas atravessaram o coração materno de Clélia! Ela, no entanto, soube mergulhar na escola de Cristo sofredor e, precisamente como o Mestre, foi além da cruz e viu nascer a estrela radiante da misericórdia que a tornou “mulher de perdão”!

Pela fé, enraizada no Amor ao Sagrado Coração de Jesus, Clélia encontrou no perdão a expressão mais autêntica da vida cristã, que lhe permitiu enfrentar com decisão o seu cotidiano sem olhar para trás, sem nutrir rancores ou ressentimentos. Com confiança, continuou a lançar a sua vida para o horizonte misterioso de Deus, que soube reconhecer como Divina Providência. Ela tinha certeza de que era guiada e inspirada por uma “Providência mais que materna”, apesar das provações que teve de enfrentar.

Aproximar-se da vida de Madre Clélia, a primeira Apóstola do Sagrado Coração de Jesus, significa, portanto, estar numa escola de valores que nos coloca em constante êxodo, bem como o confronto com os sentimentos e atitudes de Jesus! A sua existência foi se construindo sobre um modelo de vida marcado por abençoar, amar e perdoar (cfr. Lc6, 27-38). Três verbos que, no seu profundo sentido cristão, restituem a vida, fazem renascer, abrem novos horizontes de esperança e dão novas chances de recomeçar.  Pois Madre Clélia sabia tecer, de maneira autêntica, cada relacionamento positivo ou negativo que se poderia julgar olhando humanamente.

Penso em quantos que, enquanto se vangloriavam do hábito religioso, traíram sua confiança: Dom Luigi Gelmini, seu diretor espiritual, Dom Clemente Leoni, o administrador infiel, Dom Gaetano Masotti, o capelão, Ir. Marcellina Viganò, a querida coirmã acolhida com tanto amor no Instituto, Ir. Elisa Pederzini, e muitos outros que fizeram parte de seus relacionamentos mais queridos, mas que a fragilidade humana ou o misterioso desígnio de Deus fizeram sujeitos ativos de importantes desafios na vida da Bem-aventurada. Com todos, sem distinção, soube tecer relações de verdade e caridade, aprendendo a dar e a receber perdão.

Aquece o coração saber do relacionamento que Clélia conseguiu tecer com a Ir. Gesuína (no século, Maria Bambina), irmã menor de Irmã Marcellina, quando, num momento de grande fraqueza humana, não poderia cumprir seus votos religiosos. Madre Clélia não traiu sua vocação de “Mãe” e, sem interpor qualquer tipo de julgamento, cuidou da jovem mulher, tratando com tanta ternura e respeito a ela e à vida que carregava em seu ventre. Com amor acolheu a pobreza de Maria Bambina, fez com que ela se sentisse acolhida e perdoada, fazendo-se próxima dela e de todas as suas necessidades. Ela a apoiou com muita caridade nos momentos mais difíceis, sobretudo quando, ao nascer a sua filhinha, teve que reentrar no mundo e trabalhar para poder dar uma boa educação à sua filha.

Em Madre Clélia a caridade encontrou um rosto e se tornou concreta e, contagiando com o Carisma que recebeu o coração de muitas outras mulheres, conseguiu tocar não somente um coração, mas uma infinidade de corações.

Gostaria de agradecer ao escritor e diretor Paolo Damosso, que com tanta delicadeza, sabedoria e profissionalismo soube compreender os pontos fortes da vida de Madre Clélia e tornar conhecido o seu grande coração. Obrigada, Paolo, mais uma vez! Que Madre Clélia, do céu, o abençoe com Cem Corações!

 

Madre Miriam Cunha Sobrinha
Superiora geral